Mulher é assediada por estuprador em redes sociais e polícia não pode fazer nada


A vida de Maria está contaminada pela sensação constante de insegurança há seis meses. As notificações do celular informam, em uma frequência quase diária, que a caixa de mensagens da jovem em uma rede social recebeu mensagens de um mesmo homem.

Ela reconhece o rosto estampado na imagem de identificação e o nome que acompanha os textos como pertencentes a um antigo agressor. O indivíduo que procura Maria com frases amorosas, gifs animados e músicas românticas é o mesmo que a raptou e estuprou quando ela era criança. Condenado a passar 10 anos em regime fechado, ele foi liberado antes de terminar de cumprir a pena e logo a procurou.

Maria só descobriu que o homem que a raptou já estava solto e que a monitorava quando leu a primeira mensagem dele, no final do primeiro semestre de 2017. De imediato, ela procurou uma delegacia da Polícia Civil e a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de sua cidade com cópias impressas das mensagens. A jovem conta, porém, que no primeiro contato, as autoridades não consideraram o contato do estuprador uma ameaça.

Seis meses depois, o homem continua em liberdade e a jovem ainda convive com o medo. “Se eu não tenho como saber onde ele está, ele pode estar me vigiando. Na época em que ele me sequestrou, ficou meses me vigiando”, relembra. A jovem recorda ainda que, quando foi raptada, o homem disse que, se ela o denunciasse, ele poderia ser preso, mas voltaria um dia.

O nome usado no relato é fictício. Contudo, a história é realidade de uma moradora de uma das 43 cidades da região administrativa de Araçatuba há meses. Ela conta que a própria rotina mudou desde que recebeu a primeira mensagem do agressor. “Eu não conseguia sair de casa, não conseguia ir trabalhar, porque eu fiquei com muito medo.”
Ela passou a ir até as delegacias com frequência. Maria procurou primeiro uma delegacial comum, onde foi orientada a procurar a DDM. “O escrivão me disse que não teria nada para fazer, porque eles não mexiam com isso. E que, como o homem não veio atrás de mim, não teria como eles fazerem nada”, afirma.

No contato inicial com a Delegacia de Defesa da Mulher também ouviu de uma escrivã que a mensagem não era uma ameaça direta, e por isso não seria possível fazer nada. “Mesmo com todo o histórico, com o cara preso por estupro, ‘não era uma ameaça’.”

Ao insistir, a jovem conseguiu registrar um boletim de ocorrência da DDM e foi aconselhada a tirar cópias de tudo que recebesse do antigo agressor. Maria não o bloqueou para continuar atenta aos movimentos dele e guardar o histórico de mensagens. “E nisso, ele começou a mandá-las todos os dias.” A cada novo contato, ela imprimia o que havia recebido e procurava a delegacia. A delegada prometeu que abriria um inquérito.

Em meados de agosto, Maria também procurou diretamente um delegado e fez outro boletim de ocorrência. “Ele falou que iria ajudar e disse: pode ter certeza que até final de agosto, esse cara vai estar preso, de um jeito ou de outro.”

O mês terminou. Agosto foi seguido por setembro, outubro, novembro e dezembro, mas o perseguidor continua solto. Maria reconhece que o delegado se comoveu com sua história e lhe deu atenção, porém se sente incomodada com o fato de que meses depois o homem continua livre e, ela, desprotegida.

Ela conta que sente insegurança com a falta de resultados concretos, porque quando era criança e começou a ser assediada pelo mesmo homem que viria a raptá-la, chegou a registrar um boletim de ocorrência contra ele. Na época, o indivíduo foi ouvido na delegacia, sendo orientado a não procurá-la. Liberado, tempos depois a sequestrou.

Maria acredita que, embora tenha um motivo mais forte para se sentir ameaçada, já que o perseguidor a estuprou, nenhuma mulher está imune ao medo da agressão. “Ele fez isso comigo. Mas a gente, como mulher, convive com isso todos os dias. É estranho pensar nisso, mas se ele for preso, se eu não tiver medo dele, não quer dizer que meu medo como mulher passou, porque tem outras pessoas que podem fazer o mesmo.”
Em nota, a Polícia Civil informou que a Delegacia Seccional está em contato com a vítima e que todas as providências cabíveis estão sendo tomadas. “Detalhes da investigação não serão divulgados para não atrapalhar os trabalhos”, declarou.

Centro de Referência atende 75 vítimas por mês
Criado em 2010, o CRM (Centro de Referência da Mulher) de Araçatuba recebe uma média mensal de 75 vítimas de violência doméstica. Segundo a coordenadora do órgão, Sandra Ferreira Costa, as mulheres (com idade a partir de 18 anos) que procuram o centro recebem atendimento psicológico, apoio social e orientação jurídica.

“Nós tratamos de violência doméstica mesmo, aquela que ocorre no ambiente familiar”, explica. O centro também apoia mulheres que sofreram violência sexual praticada fora de casa e as encaminha a outros órgãos, se necessário. Para ser atendida, a vítima não precisa ter registrado BO. Sandra explica que são muitas formas de violência além da física. “Na verdade, a nossa maior demanda é a psicológica.” O centro também recebe vítimas de violência moral (ofensas e difamação), patrimonial (quando pertences da vítima são danificados) e sexual. “Não é porque a mulher é casada que ela é obrigada a ter relações com o marido. Se ele força a barra, isso é estupro.”

Para a secretaria municipal de Assistência Social e Participação Cidadã, Maria Cristina Domingues, o principal motivo de a violência contra a mulher ainda ser comum é educacional, já que a sociedade é machista. “A gente ainda fala de uma família paterna, na qual o homem é quem toma decisão e mantém a casa. Embora as mulheres tenham entrado no mercado de trabalho, ele continua a se considerar o responsável por aquele lar. Ele é quem toma as decisões.”

A assistente social Josiane Cristina de Souza acredita que uma dificuldade que as vítimas enfrentam ao fazer a denúncia é o fato de que o crime de violência contra a mulher ainda não seja inafiançável. “Por que muitas mulheres não fazem o BO ou a representação? Porque elas sabem que o agressor vai pagar fiança e ser liberado. Elas falam: do que adianta? Depois ele vai ser solto e a raiva vai ser maior.
O CRM funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, na rua professora Chiquita Fernandes, 615, Vila Bandeirantes. O centro atende pelo telefone (18) 3608-4452.

 

Fonte:  Folha da Região.

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