A cidade de Mariana, onde aconteceu a maior tragédia ecológica do Brasil no século XXI, parou de receber doações neste último domingo. Segundo a administração municipal, o objetivo da decisão é fazer o levantamento da quantidade dos itens doados e verificar se o que foi conseguido atende as necessidades da população afetada pelo desastre ambiental. Ainda segundo o órgão, a preocupação é evitar o desperdício do que foi arrecadado.
Serão mantidas as doações em dinheiro em contas bancárias, vinculadas à Prefeitura de Mariana, geridas por um conselho gestor com representantes de diversos setores da sociedade civil para dar transparência à ação.
No dia 5 deste mês, as barragens Fundão e Santarém da Samarco, cujos donos são a Vale e a anglo-australiana BHP, se romperam, despejando 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério e água. O distrito de Bento Rodrigues foi destruído e centenas de pessoas ficaram desabrigadas. A lama alcançou outros distritos de Mariana, como Águas Claras, Ponte do Gama, Paracatu e Pedras, além da cidade de Barra Longa. Os rejeitos no Rio Doce afetaram dezenas de cidades na Região Leste de Minas Gerais e no Espírito Santo.
Até o momento infelizmente foram reconhecidos nove mortos e dezoito pessoas se encontram desaparecidas.
A tragédia ambiental não deverá se recuperar nos próximos cem anos. E de quem é a culpa? A Vale foi privatizada na época do governo FHC em uma jogada muito obscura de desvalorização e posterior compra da vale. O ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, fez vista grossa e inclusive disse que não era hora de apontar culpados… por quê?
A Samarco, controlada pela companhia brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, apresentou um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões no ano passado e pouco investiu em segurança para prevenção de acidentes.
Samarco não possuía sequer um alarme sonoro para alertar os cidadãos para a lama devastadora que se aproximava (Foto: Antonio Cruz/ABr)
Não havia sequer um alarme sonoro para alertar os cidadãos para a lama devastadora que se aproximava. “Isso está ligado ao próprio modelo de mineração que temos em Minas Gerais e no Brasil como um todo. Falta empenho na fiscalização. A preocupação com a população é sempre a última”, denuncia Pablo Dias, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Minas Gerais. Para ele, há um excesso de influência do poder econômico nas decisões políticas, o que favorece a impunidade diante de tragédias como a que ocorreu.
Prova disso seria o novo Código de Mineração, que tramita em uma comissão especial da Câmara dos Deputados e define um marco legal para o setor no país. A maior parte dos parlamentares que compõem a comissão teve sua campanha de 2014 financiada por mineradoras. Assim, a isenção nas discussões em torno do assunto fica seriamente comprometida.
Na opinião de Dias, o fato alerta para as restrições à participação popular em projetos que impactam de forma direta no seu dia a dia. Entre os principais prejudicados, estariam os indígenas e quilombolas, por exemplo. Ele lamenta que a legislação, que deveria ser utilizada para garantir o bem-estar social, seja desvirtuada em prol de interesses financeiros.
Por enquanto, a medida já divulgada pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) em relação ao desastre é a suspensão temporária das atividades de Samarco, que só poderão ser retomadas após a apuração e a adoção de estratégias de reparo dos danos provocados pelo rompimento das barreiras. Já o Ministério Público de Minas Gerais determinou um prazo de cinco dias, desde a última segunda-feira (9), para que a empresa ofereça um cronograma para resolver de forma definitiva a situação de centenas de desabrigados que estão alojados em hotéis e pousadas.
Além disso, o MP exige o pagamento de um salário mínimo para que as famílias possam se manter. Também foi pedido que se faça uma lista com o nome de todas as pessoas afetadas para facilitar o atendimento às necessidades de cada uma delas. Todas essas recomendações constam em um documento entregue a diretores da mineradora.
Biólogo afirma que as consequências da tragédia ainda serão sentidas por dezenas de anos (Foto: Bruno Bou / Cuca Une)
São muitos os desafios enfrentados pela população, que tenta, aos poucos, superar o trauma diante de tantas perdas. Porém, os problemas causados na região não param por aí. O tsunamiavassalador, formado por 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos e água, varreu o pequeno distrito de Bento Rodrigues e já é considerado o maior desastre ambiental da história de Minas Gerais. O volume equivale a quase 25 mil piscinas olímpicas.
O biólogo Francisco Mourão, da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA) explica que as consequências desse acontecimento ainda serão sentidas por dezenas de anos. Ele destaca a mortandade de peixes, os danos à vegetação, a esterilização do solo e o soterramento das águas, com os sedimentos acumulados no fundo de rios e córregos.
População se mobiliza para cobrar responsabilização pelo desastre (Foto: Antonio Cruz/ABr)
“A biodiversidade aquática será completamente afetada. O Rio Doce já é um rio que está agonizando não só pela mineração, mas pela agropecuária e esgotos domésticos. Nas imagens aéreas, vemos que ele está em grande parte desmatado em trechos marginais”, alerta. O especialista lembra que a recuperação da natureza é um processo lento, o que o faz pensar que os prejuízos serão percebidos ainda a longo prazo.
E nessas circunstâncias, a apreensão ultrapassa fronteiras. Já estão em alerta cerca de quinze cidades de Minas e Espírito Santo abastecidas pela bacia do Rio Doce. Há possibilidade de enchentes e desabastecimento de água, de acordo com informações do Serviço Geológico do Brasil, do Ministério de Minas e Energia.
O nível do rio em Colatina (ES) caiu mais de 40 centímetros de um dia para o outro, após a passagem da onda de cheia, que antecede a lama de rejeitos proveniente de Mariana. A previsão é de que ela chegue à cidade entre sábado (14) e domingo (15).
O ambientalista e membro do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc) Gustavo Gazzinelli esteve no local depois do episódio e agora se concentra na articulação de movimentos para discutir a reação perante os fatos. Ele ressalta que a fiscalização das barragens sempre deixou a desejar, uma vez que a vistoria, na prática, fica a cargo das próprias empresas.
E essa falta de controle traz uma série de riscos. Segundo ele, as barragens já demonstraram que são perigosas e inseguras para a população. “As empresas que causam os impactos é que fazem o monitoramento das estruturas. Muitas informações são filtradas pela mineradora, já que não quer que os impactos que ela promove sejam de conhecimento público. Tem mil formas de escamotear isso e o Estado adotou uma postura de acreditar nelas”, enfatiza.
A tensão está ainda maior desde que foi informado que a barragem Germano – localizada no mesmo complexo de Fundão e Santarém, as outras duas que foram rompidas – está tendo que passar por um reforço. Conforme foi apurado, as paredes estão trincadas e há ameaça de uma nova ruptura. O isolamento na área, que antes era de um raio de 3 quilômetros, passou para 10 quilômetros e moradores de regiões vizinhas a Bento Rodrigues estão sendo obrigados a deixar o lugar.
No mesmo dia em que o desastre aconteceu, o Ministério Público instaurou um inquérito para investigação das causas. A apuração deve ser concluída em um mês. Entre as hipóteses, será avaliado se as condições exigidas à Samarco no licenciamento das barragens vinham sendo cumpridas. A explosão de uma mina momentos antes e um tremor de terra sentido na região também são considerados, além da possível influência de obras realizadas no local.
Em nota, a empresa afirmou que está mobilizando todos os esforços necessários para reduzir os danos ambientais e priorizar o atendimento aos atingidos, disponibilizando água, cestas básicas, itens de higiene pessoal, material e equipamentos de limpeza e caminhões-pipa.
No entanto, a população está cansada de improvisos e reclama da ausência de um trabalho que pudesse prevenir uma tragédia como essa. O período é de reflexão e cobrança para que a lógica do lucro não se sobressaia mais diante da vida de trabalhadores e de membros da comunidade.
Nas redes, pessoas de todo o país se mobilizam para pedir responsabilização da Samarco e suas donas. Usuários do Facebook e do Twitter vêm usando as hashtags #NãoFoiAcidente e #FoiCrimeAmbiental para expor os problemas gerados pelo rompimento das barragens; a página Solidariedade aos Atingidos de Bento Rodrigues já conta com quase 1.500 adesões. A esperança, nesse caso, é que a pressão popular possa fazer justiça aos mortos dessa catástrofe e de tantas outras que podem vir a acontecer antes que uma solução seja, de fato, implementada.
Fontes: G1 e revista Forum
