A Justiça de Araçatuba (SP) determinou que a Prefeitura promova a reintegração de mais um dos cinco guardas municipais que foram exonerados por participarem de abordagem considerada abusiva a um grupo de homens no terminal rodoviário da cidade, em julho de 2022.
É a segunda decisão do tipo que a reportagem tem conhecimento. No outro caso, a administração municipal chegou a publicar a reintegração, atendendo a determinação. Porém, como o ex-guarda municipal mudou-se para outro país após a exoneração e não se apresentou no prazo determinado, foi publicada a exoneração definitiva.
Neste caso, a ação foi movida pelos advogados Flávio Batistela e Daniel Madeira, de Araçatuba. A decisão é do juiz da Vara da Fazenda, José Daniel Diniz, que anulou a pena aplicada.
Na sentença, proferida na quinta-feira (18), ele determina a reintegração do guarda municipal e o pagamento de todos os vencimentos e vantagens que ele deixou de receber no período em que esteve afastado. Em caso de descumprimento da ordem, no prazo máximo de 20 dias, haverá aplicação de multa diária.
A reportagem procurou a Prefeitura, que informou que ainda não foi intimada da decisão, mas assim que tomar ciência, adotará as medidas cabíveis.
Na ação, a defesa argumentou que naquela madrugada, o referido guarda municipal viu pelo sistema de videomonitoramento do Paço Municipal uma equipe estava abordando vários homens no terminal rodoviário e decidiu ir ao local para prestar apoio.
Já na rodoviária houve a informação de que os abordados tinham passagem pela polícia e se diziam integrantes de organização criminosa. Esse guarda argumentou que não comandou ou gerenciou a abordagem, tendo apenas auxiliado enquanto outros integrantes da equipe conduziam a ocorrência, não assumindo o comando, apesar da superioridade hierárquica.
Apesar disso, a Prefeitura instaurou um PAD (Procedimento Administrativo Disciplinar) e ao término da investigação, decidiu pela demissão dele e de outros quatro guardas municipais.
Ao recorrer à Justiça, a defesa argumento que esse PAD teria diversas irregularidades e não houve materialidade para tipificar a conduta pela qual houve a demissão.
Ao ser citado, o município defendeu a legalidade da exoneração, que teria ocorrido dentro do devido processo legal e decisão fundamentada. “ A Averiguação Preliminar e o Processo Administrativo Disciplinar são hígidos, legítimos e legais, observada ampla defesa e contraditório, bem como todas as normas estabelecidas”.
A Prefeitura justificou ainda que as provas dos fatos que embasam a acusação são imagens do sistema de videomonitoramento instalado no local da abordagem considerada abusiva, sendo dispensada sindicância. “Não houve ofensa aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Pede a improcedência”.
Ao julgar o caso, o juiz considerou que foram violados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e que a Lei Federal que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, prevê que os municípios instituam uma Corregedoria própria como órgão responsável pelo controle interno da instituição.
“Logo, se trata de ato de competência da Corregedoria da Guarda Municipal através de suas comissões e seu corregedor a função de realizar apuração preliminar, atos investigatórios e o procedimento disciplinar contra agentes da Guarda Civil Municipal de Araçatuba”, cita na decisão.
No caso em questão, o PAD não foi instaurado pela Corregedoria da Guarda Municipal. “Assim, o ato administrativo que resultou na demissão do servidor municipal encontra-se eivado de vício de competência, porque praticado por agente destituído de competência legal para a prática do ato, daí derivando a nulidade do ato e, consequentemente, seus efeitos”.
O magistrado deixa claro que cabe ao Poder Judiciário examinar apenas a legalidade do processo administrativo. “Embora não caiba ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato administrativo, é certo que não se exclui a verificação da legalidade e da legitimidade do ato, em especial sob os aspectos da proporcionalidade e razoabilidade”, consta na decisão.
O juiz acrescenta que a administração, ao atuar no exercício de discrição, deve obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso comum das pessoas. O fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade ou margem de discrição significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. “Não significa que lhe haja outorgado o poder de agir de forma indiscriminada e baseada apena em seu arbítrio” , cita.
Com relação ao princípio da proporcionalidade, consta na decisão que “houve efetiva violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, verificada em contejo entre a infração cometida pela parte autora e a correspondente pena aplicada, maculando ao menos a pena aplicada”.
O magistrado considerou que apesar de o município afirmar o contrário, a infração praticada pelo agente não gerou danos à Administração, sendo desproporcional a penalidade de demissão aplicada.
“Das penalidades previstas foi impingida ao autor a mais severa e de consequências mais graves à sua vida, desbordando, assim, dos princípios da razoabilidade, legalidade e da proporcionalidade que necessariamente devem pautar a atuação da Administração Pública”.
O juiz acrescenta que não se vê motivos para considerar o ato como de natureza tão grave a ponto de se desprezar a possibilidade, entre as sugeridas pela lei, de abrandamento da penalidade a ser aplicada. “Assim sendo, entendo que a única pena cabível na espécie é a de repreensão, pois se tratou de descumprimento de mero dever funcional”, cita.
Ele acrescenta que a pena aplicada não só feriu o princípio da razoabilidade-proporcionalidade, mas acabou por ofender a própria legislação aplicável (legalidade), “de modo que sob a ótica deste magistrado é devida a reintegração do servidor e, consequentemente, são devidos todos os vencimentos e vantagens não auferidos desde a dispensa, considerando-se o período como de efetivo exercício”.