Por unanimidade, desembargadores integrantes do Órgão Especial do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiram pela abertura de um processo administrativo disciplinar para investigar denúncia de assédio sexual por parte do juiz de Direito de Araçatuba, contra uma servidora do Fórum da cidade, que trabalhava no gabinete dele. Entre outas coisas, ele teria feito comentários sobre o bumbum dela e pedido para ver uma tatuagem.
O magistrado também é investigado por possível assédio moral e por desvio de função, por pedir para servidores realizarem trabalhos acadêmicos para ele, e de faltas funcionais, por atrasar início de audiências de custódia e demorar para assinar alvarás de soltura, entre outras irregularidades.
Segundo o que foi apurado pela reportagem, a investigação teve início no ano passado, após denúncia feita por uma servidora que trabalha no Fórum de Justiça de Araçatuba. A servidora também protocolou denúncia na Ouvidoria da Mulher do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Além disso, ela registrou boletim de ocorrência por assédio sexual e o procedimento de investigação criminal tramita no Órgão Especial do TJ-SP.
Ainda de acordo com o que foi apurado, o suposto assédio teria tido início em 2021, quando o juiz teria encontrado a servidora durante o trabalho no Fórum e feito um comentário pessoal sobre o bumbum dela, fazendo gestos com as mãos.
Após esse episódio, o magistrado teria passado a frequentar o setor de trabalho dela para tomar café e a questionou sobre a possibilidade de trabalhar no gabinete dele.
Apesar de ter ficado entusiasmada com a possibilidade de poder aperfeiçoar os conhecimentos profissionais, pois havia se formado em Direito, a servidora teria procurado colegas de trabalho para pedir conselhos sobre essa possibilidade, pois tinha receio de haver segundas intenções por parte do juiz. Por ser um cargo em comissão, que acrescia um valor ao salário mensal, ela aceitou.
Ainda de acordo com o que foi apurado, outro episódio que é investigado como possível assédio por parte do juiz ocorreu quando ela esteve em outra cidade na região para buscar um carro em uma concessionária. Por coincidência, ele também estava na cidade e a convidou para tomar um café, por meio de mensagem pelo WhatsApp.
Apesar de ela ter informado que iria demorar, o juiz teria ido ao encontro dela na concessionária e teria insistido para que ela fosse com ele tomar um chope com ele. Ele só teria desistido quando o mecânico, a pedido dela, informou que havia ocorrido um problema com a documentação do veículo, que iria demorar para ser liberada. Mais tarde, ele mandou mensagem a ela, para saber se havia chegado bem.
Já em maio de 2022, em outra conversa, o juiz teria pedido à servidora que deixasse ele ver as tatuagens dela, entre elas, uma considerada íntima pela vítima, que disse a ele que somente namorado ou marido poderiam vê-las. Apesar disso, ele teria insistido, alegando que não teria problema em ele ver.
Esse fato também foi relatado a colegas de trabalho e superiores da servidora na época, pois ela se sentiu constrangida com a situação. Apesar disso, a servidora seguiu trabalhando com o juiz, pois precisava do valor extra no salário para ajudar nas despesas de casa e com os filhos.
Alguns meses depois ela recebeu uma publicação de matéria sobre um juiz do trabalho que havia sido afastado do cargo acusado de assédio contra uma servidora e a encaminhou ao magistrado, como forma de demonstrar o descontentamento dela com a situação.
A partir daí, o juiz teria mudado a forma de tratar a ela e os demais servidores, e a reclamar da falta de produtividade por parte dela.
Apesar disso, em outra oportunidade, ele a teria chamado no gabinete dele, perguntado que perfume estaria usando e pedido para que deixasse sentir o cheiro dela. Mais uma vez os fatos foram relatados a colegas de trabalho e superiores.
Por fim, em outra ocasião, já em 2024, o magistrado teria perguntado à servidora se ela faria uma massagem nos pés dele, caso ele precisasse, pois ele estava em tratamento de um problema em um dos pés, que estava causando muitas dores.
Juiz confirmou em depoimento que comentou com servidora que o bumbum dela estava diferente
A reportagem apurou que ao ser ouvido em juízo, o juiz confirmou que teria feito um comentário sobre o bumbum da servidora, quando ela preparava um café, dizendo que ele estava diferente, inclusive fazendo gestos com as mãos, mostrando que estava maior.
Essa atitude, para o relator do caso, se configura incompatível com o decoro que se espera no ambiente de trabalho.
Com relação ao ocorrido quando se encontraram em outra cidade, ele também confirmou que a convidou para um café, que esteve na concessionária onde ela estava, após ela passar a localização, e que quando estava em casa, mandou nova mensagem, para saber se havia chegado bem.
Já sobre a tatuagem, o juiz concordou em depoimento que talvez tenha passado do limite, ao pedir para vê-la e insistido, apesar de a servidora ter lhe informado que era algo íntimo, que apenas namorado ou marido poderia vê-la.
Sobre o perfume, ele disse que apenas perguntou à servidora qual estava usando, pois iria comprar um de presente para a esposa e havia gostado do dela, que estaria “destacado”.
Ao rejeitar a manifestação da defesa e decidir pela abertura de um processo administrativo disciplinar, o relator do caso considerou haver fortes indícios da prática de falta disciplinar por parte do magistrado, que reconheceu ter sido indelicado em algumas de suas abordagens.
Também foram levadas em consideração conversas trocadas entre as partes e registros de diálogos da servidora com outros colegas de trabalho, que tinham conhecimento sobre o comportamento inadequado do juiz com relação à vítima.
Ainda segundo o que foi apurado pela reportagem, diante do constrangimento ao qual vinha sofrendo, a servidora passou a pedir que a filha dela, que fazia estágio no Fórum, a acompanhasse no gabinete dela quando precisava trabalhar após o expediente, para evitar abordagens indesejadas.
Pesou ainda contra o magistrado, o fato de ele ter tentado justificar as acusações contra ele por parte da servidora, alegando que ela seria a responsável pela situação, com comentário depreciativo em relação à vítima.
Com relação à investigação por possível assédio moral contra o juiz, pesa um comentário que ele teria feito na presença da servidora, com relação a um ex-funcionário, já aposentado, e pessoa de mais idade, dizendo que ela poderia namorá-lo, já que ele estaria solteiro.
Também há denúncia de que o juiz teria o hábito de atrasar para chegar nos plantões de audiência de custódia, afrontando os deveres de pontualidade, diligência e dedicação, previsto no Código de Ética da Magistratura.
Além disso, houve reclamações com relação à demora na assinatura de alvarás de soltura para presos que obtiveram a liberdade provisória nas audiências, demora essa que teria chegado a três dias em uma ocasião.
Por fim, ele teria designado a assistentes que realizassem trabalhos acadêmicos para ele, o que pode configurar desvio de função. Essas atitudes, para o relator, colocariam em xeque a confiança que os magistrados devem despertar na sociedade.
Assim, serão investigadas possíveis violações da Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e possíveis violações de resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do Código de Ética da Magistratura), sobre os deveres de cortesia, honra, decoro e integridade.
A reportagem encaminhou e-mail à assessoria de imprensa do TJ-SP, questionando sobre quais punições o juiz está sujeito e se durante a investigação, ele permanecerá trabalhando na mesma Vara ou será transferido. Em resposta, foi informado que o TJ-SP não se manifesta sobre processos em trâmite.
A informação apurada pela reportagem é de que ele permanece trabalhando, mas a servidora vítima, que fez a denúncia, foi transferida para outra Vara.:hoje mais