Profissionais se queixam de não receber pagamentos por consultas em dia. Operadora nega irregularidades
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Depois de atingir o atendimento hospitalar, com a saída da Rede D’Or da rede credenciada, a crise financeira da Unimed Ferj atinge agora os consultórios. Médicos cooperados têm recusado atendimento a novos pacientes por não estarem recebendo pagamentos em dia, e reclamam de falta de transparência nos balanços, que os deixa sem ter a dimensão do tamanho das dívidas da cooperativa
No elo mais fraco, pacientes veem a rede credenciada encolher e, mesmo com o plano em dia, recorrem a consultas particulares para serem atendidos.
Após buscar horários com diferentes reumatologistas, a engenheira Lucia Maria Panarra, de 56 anos, só conseguiu atendimento quando uma amiga disse à médica que ela era sua parente.
Mas o caso não foi o único: escutou das secretárias de uma endocrinologista e de um gastroenterologista que não estavam aceitando novos pacientes da operadora.
— Estou tendo que tirar do bolso para pagar consulta particular — conta a consumidora, que desembolsa R$ 9,2 mil num contrato que inclui ela, a mãe, de 82 anos, e o pai, de 86, como dependentes.
Cliente da operadora há mais de duas décadas, uma consumidora que preferiu não se identificar enfrentou uma cruzada para se consultar com um endocrinologista.
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Há cerca de dois meses, ela marcou on-line uma consulta com um médico cooperado. Na véspera do atendimento, no início do mês, sem ter recebido nenhuma mensagem de confirmação, ligou para o consultório, mas foi informada pela recepcionista que o especialista deixou de atender usuários da Ferj.
Ela argumentou que o médico consta na rede credenciada, mas escutou da secretária que o profissional estava recusando atendimento porque a operadora não está repassando os valores das consultas de maneira regular.
— Pago R$ 2.500 de mensalidade, tenho o contrato há mais de 20 anos, pago as mensalidades em dia. Virou um escárnio. É desagradável, a gente se sente humilhada.
Pelas regras da Unimed, profissionais cooperados não podem recusar atendimento. Há a exigência de que os especialistas façam ao menos dez consultas mensais. Mas médicos ouvidos pelo GLOBO confirmam que a recusa a novos pacientes se tornou comum nos últimos meses com a irregularidade de pagamento.
— É uma situação inimaginável. Há muitos relatos de colegas desesperados e pedindo para sair. É difícil para todos, os cooperados e para os usuários — contou uma neurocirurgiã, sob anonimato.
Uma oftalmologista, que preferiu não se identificar, disse que os pagamentos começaram a atrasar em setembro.
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Os pagamentos de consultas, procedimentos e cirurgias são feitos pela operadora aos cooperados entre 30 e 45 dias após o fechamento do mês. Em dezembro, apenas as consultas de outubro foram quitadas, e os valores referentes aos procedimentos e cirurgias ficaram em aberto até janeiro, quando deveriam ser pagas as consultas de novembro, mas só 35% foram depositados.
Com a irregularidade nos pagamentos, ela assume que limitou a agenda a cinco pacientes por dia da operadora.
— Precisamos ter certeza sobre os pagamentos. Temos funcionários para pagar, aluguel, materiais… — diz.
Com a migração da carteira, os consumidores passaram a ser administrados pela Ferj, mas os médicos cooperados são vinculados à Unimed-Rio, que paga os honorários dos profissionais a partir dos repasses da Ferj.
Além da confusão no calendário de pagamentos, os médicos reclamam de falta de detalhamento e transparência nos dados econômico-financeiros da operadora.
Diferentemente de outras operadoras, o sistema Unimed é formado por uma rede de cooperativas médicas, cada uma composta por profissionais que pagam cota para se associar. Como cooperados, os profissionais têm acesso aos lucros e dívidas.
Se a cooperativa está no azul e um cooperado deseja deixar o sistema, ele recebe parte dos valores, de forma proporcional à produção, ou seja, ao volume de consultas, procedimentos e cirurgias que faz. Em contrapartida, se as contas estiverem no vermelho, um pagamento proporcional precisa ser feito para se desvincular.
Sem acesso aos dados financeiros detalhados, os médicos dizem desconhecer o tamanho da dívida da operadora, e temem prejuízos. O advogado Rafael Costa, que desde 2014 trabalha assessorando ex-cooperados, diz que tem atendido mais médicos preocupados se devem ou não continuar na operadora.
— Já atendi profissionais que saíram, não pagaram as dívidas e foram cobrados na Justiça em valores que passam de R$ 1 milhão — cita.
A cada ano, as contas de cada uma das operadoras do sistema passam por análise e são aprovadas (ou não) pelos profissionais cooperados. Um médico que participou do conselho fiscal da Unimed-Rio nos últimos anos destaca que o patrimônio líquido negativo da cooperativa somava R$ 980 milhões em 2016, e saltou para R$ 4,8 bilhões em 2023, dado mais recente a que teve acesso.
Ele lembra que a operadora vendeu ativos, como a sede na Barra da Tijuca e a participação na Oncoclínicas.
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Candidata da chapa de oposição nas últimas eleições da operadora, no ano passado, a ginecologista Nilcéa Neder Cardoso afirma que os colegas têm trabalhado sem previsão de receber os honorários e que uma denúncia foi feita ao Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) sobre a situação. Uma reclamação ao Ministério Público Federal (MPF) foi feita, com um pedido de auditoria nas contas da cooperativa.
— Só querem que a gente aprove as contas de 2022 e 2023, que já foram rejeitadas duas vezes. Agora, a tática tem sido buscar pequenos grupos de cooperados para tentar convencê-los — diz a médica, cooperada desde 2002.
Yuri Salles, diretor de Defesa Profissional do Cremerj, afirma que o conselho acompanha a situação, mas que não pode intervir. Sobre a recusa de atendimento, ele argumenta que o profissional tem liberdade de atuação, mas não pode recusar atendimento em situações de urgência, emergência e de risco.
— Estamos acompanhando o esforço da Unimed em se regularizar. Já fizemos reuniões tanto com a Rio quanto com a Ferj e entendemos que muitos dos problemas são de fluxos administrativos internos, problemas operacionais que a gente espera que se regularizem — diz.
Em nota, a Unimed Ferj nega irregularidades e afirma que os pagamentos dos médicos estão em dia.
“No início deste ano foi realizada uma adequação no calendário, definida em acordo com a Unimed Ferj, seguindo o modelo adotado por grandes operadoras. A mudança foi comunicada aos cooperados na ocasião”.Sobre os resultados financeiros, a cooperativa disse que os balanços de 2022 e 2023 “foram auditados por auditoria externa independente e contou com avaliação adicional da Grant Thorton, sem indícios de irregularidades”, além de acompanhados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e “apresentados aos cooperados com total transparência antes da Assembleia Geral Ordinária”.
A carteira da Unimed Ferj passa de 494 mil vidas, sendo 129 mil contratos individuais e 365 mil coletivos. Antes da migração das carteiras, a operadora passou uma década em direção fiscal e técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O procedimento é instaurado em casos com anormalidades administrativas e econômico-financeiras que podem colocar em risco a qualidade e a continuidade do atendimento à saúde dos beneficiários.
Em dezembro, o órgão regulador deu à Unimed Ferj um prazo até março de 2026 livre de sanções para reequilibrar as contas. Nesse período, a ANS a vai flexibilizar regras para que a operadora tente regularizar a contabilidade e quitar dívidas.
Em nota, a ANS informou que desde a transferência da carteira, “a operadora vem sendo acompanhada de forma bem próxima”. Em julho, a Ferj foi alvo de ação “em razão das demandas dos beneficiários”, e que, entre abril de 2024 e janeiro, 12 processos sancionadores foram abertos contra a cooperativa, com sete multas aplicadas relacionadas à cobertura assistencial, questões contratuais e acesso aos atendimentos.
A ANS destacou que são de responsabilidade da operadora eventuais falhas da rede credenciada que levem a negativa de atendimento. A Unimed Ferj disse que, caso algum beneficiário tenha atendimento negado, deve reportar à operadora, para apuração e providências.
Caso o consumidor não esteja satisfeito, a ANS lembra que ele pode fazer a portabilidade de carências. Pelas regras válidas desde dezembro, quando a insatisfação se dá pela exclusão de um hospital ou serviço de urgência e emergência da rede credenciada, esse processo pode ser feito sem cumprir prazos mínimos de permanência no contrato.
Não será exigido que o plano de destino seja da mesma faixa de preço do plano de origem, como acontece nos outros casos de portabilidade.:
