Qual a real situação da Irmandade Santa Casa de Birigui? Quais são as receitas e as despesas do hospital? Como são feitas as compras? Por que contratar empresas terceirizadas dentro de um hospital “falido”? Quanto é pago mensalmente para a empresa do diretor-geral, que também presta serviço ao hospital? E as contratações diretas com verba pública? Quantos leitos são do SUS e quantos são particulares? Por que não foi feito um estudo antes de se fazer a intervenção?
Essas foram algumas das várias questões levantadas na reunião ocorrida na tarde desta sexta-feira (16) na Câmara, com a participação da sociedade civil, Legislativo, Executivo e Santa Casa de Misericórdia.
O encontro é fruto de uma tentativa da sociedade civil, representada por importantes entidades do município, como Sinbi (Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigui), Acib (Associação Comercial e Industrial de Birigui) e Rotary, de se criar um diálogo entre o Legislativo e a Santa Casa de Birigui, que está sob intervenção do município desde fevereiro deste ano.
Nas últimas sessões da Câmara, três projetos que previam repasses de R$ 462,1 mil em recursos para o hospital foram “barrados” por vereadores, que alegam falta de transparência da irmandade, cuja OSS (Organização Social de Saúde) foi alvo da megaoperação Raio X.
O primeiro projeto, no valor de R$ 211,2 mil, entrou na pauta da sessão do dia 1º de novembro e foi adiado por três vezes, devendo voltar à discussão após o recesso parlamentar de fim de ano. O recurso corresponde a cobertura das diárias da UTI Covid-19, referentes ao mês de fevereiro de 2022.
Os outros dois, nos valores de R$ 124,5 mil e R$ 126,4 mil, entraram na Ordem do Dia da última sessão ordinária do ano, realizada na terça-feira (13), e receberam pedidos de vistas. Ambos são referentes a repasses financeiros para enfrentamento das demandas assistenciais geradas pela emergência de saúde pública causada pela covid. Nos três casos, os recursos são do Ministério da Saúde e, segundo a Santa Casa, só podem ser utilizados pelo hospital. Se não houver autorização para celebração do convênio entre a Prefeitura e o hospital, Birigui pode perder essa verba.
O interventor da Santa Casa, Alex Brasileiro, informou que há mais repasses para serem votados na Casa, totalizando R$ 918 mil em verbas da União (R$ 460 mil já tramitando).
A Santa Casa preparou uma apresentação com um histórico desde a intervenção – como estava o hospital e como está agora –, no entanto o diretor-geral, Marco Aurélio Arantes foi logo interrompido com pedido de que fosse mais direta, mostrando a contabilidade e notas fiscais de compras.
Atualmente, as receitas do hospital (exclui nessa conta verbas de emendas parlamentares) somam R$ 3,99 milhões contra R$ 4,7 milhões de despesas operacionais, o que gera um déficit mensal médio de R$ 608 mil. Esses números explicariam os três meses de atraso no salário dos médicos, já que não seria possível pagar esse serviço (prestado por meio de Pessoa Jurídica) com verbas públicas.
Também foi questionada a contratação de uma auditoria, cujo relatório ainda não está disponível por falta de recursos, segundo informou o diretor-geral. O serviço teria sido contratado por R$ 104 mil, sendo apenas metade do valor pago.
O vereador José Luis Buchalla (Avante), eleito presidente da Mesa Diretora no próximo biênio e autor dos pedidos de adiamento do primeiro projeto, reclamou da falta de transparência. Ele fez um requerimento pedindo mais detalhes do hospital sobre o referido convênio, mas o documento foi respondido pela Secretaria Municipal de Saúde. A resposta teria sido incompleta e foi rebatida. Na reunião de hoje, o requerimento foi entregue ao diretor-geral do hospital, que se comprometeu a dar resposta.
Outro tema levantado foi sobre os gastos com empresas terceirizadas. O vereador André Luiz Moimás Grosso, o André Fermino (PSDB), pediu especificamente os custos com a empresa do diretor-geral.
A contratação de equipes soma atualmente R$ 73,4 mil, fora a remuneração do interventor, de R$ 16.266,80. Para a empresa do diretor-geral são pagos R$ 27 mil. O segundo maior custo é com assessoria jurídica, que soma R$ 20 mil, além do custo com o diretor jurídico e gestor de contratos, que recebe outros R$ 12 mil. Antes da intervenção, os custos com esses prestadores de serviços somavam R$ 72,4 mil, já considerando um aumento previsto para o diretor-geral da época que passaria a receber R$ 24,1 mil.
Esses custos também foram alvo de críticas da vereadora Osterlaine Henriques Alves, a Dra. Osterlaine (União Brasil). Ela citou a intervenção na Santa Casa sem estudos prévios, classificou como absurda as contratações de empresas terceirizadas e disse que o problema da saúde está na gestão.
“Empresários, eu tenho uma empresa falida. Eu pego essa empresa e contrato 18 novas empresas? Não tem lógica isso, não tem lógica esses valores. Eu tenho que enxugar uma empresa que está falida, mas estou contratando empresas por um ente público que tem que fazer uma licitação, que não pode ter contratação direta”, disse, dirigindo-se aos representantes da sociedade civil que participavam da reunião, a maioria, donos de empresas.
Dra. Osterlaine lembrou ainda que a própria secretária de Saúde, Cássia Rita Celestino, que é extremamente técnica, disse em audiência pública na Câmara, que não tem autonomia para gerir os recursos da pasta (que somam R$ 150 milhões), o que mostra que o problema está na gestão.
Wagner Mastelaro (PT) foi mais a fundo e disse que se for feito um recorte na administração do hospital nas gestões anteriores, tem certeza que irão encontrar as mesmas deficiências, pois o sistema não é sustentável. Para ele, é necessária uma discussão maior, pois o problema não está apenas nos três projetos não aprovados pela Casa, mas na universalização do sistema de saúde, e no embate da tabela SUS – utilizada pelo Ministério da Saúde para remunerar os hospitais e clínicas conveniados à rede pública – que não é atualizada duas décadas.
Como exemplo da diferença de valores, o diretor-geral da Santa Casa mostrou que a remuneração média de um paciente do SUS no hospital é de R$ 98, enquanto esse mesmo paciente, no particular, desembolsa R$ 2.563.
Em Birigui, outra deficiência lembrada pelo parlamentar é na atenção básica, que não presta um bom serviço nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) sobrecarregando o pronto-socorro e a Santa Casa.
Também foram feitas críticas à divisão dos leitos da Santa Casa, que depende de verbas públicas, mas que, em alguns casos, disponibiliza mais leitos a particulares. São atualmente 76 leitos SUS e 49 particulares/convênios. No entanto, o hospital reserva 12 leitos de clínica cirúrgica para o SUS e 19 para o particular.
Para Marcos Gajardoni, assessor do vereador Fabiano Amadeu (Cidadania), esses números precisariam ser revistos, pois o setor de cirurgia tem grande demanda reprimida.
Positivo
Para Maurício Pazian, que representou a Acib e “mediou” a reunião, o encontro foi positivo pelo menos para se ter a real situação da Santa Casa e tentar fazer o melhor para a população de Birigui.
Na próxima segunda-feira (19), os vereadores irão até a Santa Casa para tentar sanar as dúvidas in loco. “Nós também temos dúvidas que foram levantadas e que precisam ser esclarecidas e eu acredito que isso vai acontecer de um modo ou de outro”, disse à reportagem.
O interventor da Santa Casa, Alex Brasileiro, também enfatizou a importância do diálogo entre hospital, Câmara e Prefeitura para se chegar a um denominador comum e atender a população da melhor forma possível.
Sobre algumas dúvidas levantadas, como a falta de licitação, explicou que o hospital faz cotações e usa o sistema de menor preço, método nunca questionado pelos órgãos de fiscalização, como Ministério Público e Tribunal de Contas.
As terceirizadas, segundo ele, são a maioria contratos renovados e que não foram feitos pela intervenção hoje mais