Meu nome é Basma Sakhi e eu nasci em Casablanca, no Marrocos. O motivo de sair do meu país não foi nenhuma guerra com armas, mas sim a de abusos contra as mulheres. Cheguei ao ponto de querer morrer só para nascer de novo como homem. Nasci em uma família considerada liberal. Meu pai é professor de filosofia. Mas, às vezes, a cultura é mais forte do que qualquer pensamento liberal. A cultura pode quebrar uma família inteira. Meu pai sempre esteve do meu lado e defendeu que eu vivesse a vida como eu quisesse, que fosse empreender, mas a cultura do Marrocos não contribui para isso. Lá, a mulher é sempre humilhada. Não há oportunidades iguais para os dois sexos.
A mulher precisa usar o hijab, se cobrir toda para não ser estuprada. Estudei hotelaria e gastronomia no meu país antes de partir para a França para empreender. Minhas duas irmãs também foram para lá. Uma é engenharia e outra estuda Farmácia. Você consegue estudar no Marrocos, mas não acha trabalho. E, quando encontra, fica com medo sempre. Você tem que aguentar abusos, principalmente se você não usa o hijab, por seu chefe te achar bonita.
Quando cheguei na França era o auge da crise econômica e não conseguia trabalhar. Eles têm muito preconceito com os árabes, então, isso também era um problema. Minha irmã mais velha é casada com um brasileiro e acabei vindo para cá em 2015 e comecei a trabalhar com comida árabe. Participei do reality show Shark Thank e ganhei um aporte para investir no meu food truck que fica no Butantã, o Banarabi Culinária Árabe.
Sempre fui muito bem acolhida por todos aqui. Quem passou pelo meu caminho me ajudou de um jeito ou de outro. Alguns me ensinaram a falar português, outros a comprar equipamentos para a cozinha, enquanto outros auxiliaram com a documentação. O povo brasileiro é simpático e acolhedor e aqui tem espaço para muita gente. Só acho que quem chega aqui precisa querer ajudar o país a crescer e ir para frente. Não dá para tentar mudar a cultura.
Me casei no ano passado com Nawras, que é um refugiado sírio, mas que é totalmente diferente dos homens árabes. Hoje, nossa rotina é puxada. Acordar cedo, fazer mercado para o foodtruck, onde trabalhamos juntos. Hoje, já temos um funcionário fixo e também fazemos eventos e encomendas delivery. Trabalhamos de segunda a segunda, mas sempre quis abrir um negócio próprio com comida, desde quando estava no Marrocos. Meu pai já tinha um quiosque de comida lá, mas não tem oportunidade para mulher. Sempre vai ter um problema: documentação, clientes destratando só por ser mulher, entre outros. Não tem nada pior do que ser mulher em um país árabe.
No Brasil, tenho liberdade para andar sozinha na rua, me vestir como quiser e não me sinto inferior por ser mulher. Apesar de ter machismo aqui, não dá para comparar com um país islâmico. Lá é muito pior e muitos temas são tão tabus que você nem pode denunciar, como o estupro. Aqui tem uma lei que defende as mulheres. Mas lá a cultura é mais pesada que a lei.
Lá, eles acham que a mulher merece isso, ser humilhada e agredida. Ao ser estuprada a mulher vira objeto de vergonha para a própria família e para a sociedade. Não era isso tipo de cultura que queria para meus filhos, mas sim a do respeito mútuo. Uma coisa que acho que poderia mudar aqui no Brasil é o investimento na educação.
Quando cheguei aqui, não conseguia me comunicar muito bem e depois fui ver que muita gente não falava outras línguas pela má qualidade da educação. Outra coisa que seria legal é diminuir a burocracia para acertar a documentação. Tenho meu negócio com CNPJ e tudo, mas ainda não tenho o meu RNE (Registro Nacional de Estrangeiros). Meu marido já tem, ele chegou em 2014 refugiado da guerra da Síria e quando a Dilma era presidente era mais fácil tirar o documento. Agora, com o Temer, tudo está parado e bloqueado no Conare (Comitê Nacional para Refugiados). Acho que isso podia mudar.
Me chamo Rawa Alsagheer, tenho 20 anos e sou refugiada palestina. Vivia como refugiada em um acampamento para palestinos na Síria e, por conta da guerra na Síria, o governo do campo só deixava a gente sair para trabalhar ou estudar, para evitar problemas, já que viviam 14 mil pessoas no acampamento. Terminei a escola, mas não consegui começar a fazer faculdade, apesar de ser pertinho do campo. As tropas do Assad [presidente sírio] estavam causando problemas para os refugiados palestinos. Fui para Damasco, capital da Síria, estudar cinema, mas só fiquei seis meses.
Por causa da guerra acabei indo para a Turquia sozinha aos 18 anos. Mas fui ilegal, sem visto, nem nada. Fiquei lá mais ou menos sete meses sem documento e o pior é que não conseguia trabalho nem nada. Eles não se metem com quem entrou ilegal no país, até deixam você ficar e viajar, mas só, não tem oportunidade para trabalhar. Comecei a cogitar a fazer uma viagem para outro país da Europa de barco, mas é muito perigoso e estava com medo. Até porque você fica sete dias em alto mar e não sabe o que vai acontecer… Se vai chegar no destino ou não, se vai morrer.
Minha irmã que estava no Egito viu na internet que o Brasil recebia refugiados palestinos sírios com visto. Não ouvia muitas coisas do Brasil. Falavam que o país só servia para Carnaval ou futebol, mas como não tinha outra opção, viemos. Meu irmão, minha irmã, meu cunhado e meu sobrinho chegaram 15 dias antes de mim. Hoje, estou há dois anos e gosto muito do país.
Quando eles vieram me buscar no aeroporto, já fiquei pensando no que eu estava fazendo aqui e querendo voltar para a Síria, mesmo com a guerra. Mas depois de dois dias sai na rua falando com as pessoas e todos me ajudaram muito. Só falava inglês, não fazia ideia de nada em português, e ainda assim eles me faziam mímica, usavam tradutor, toda simpatia para ajudar. Aí já comecei a gostar do Brasil. Lá na Turquia ninguém ajudava em nada.
Me inspirei nisso para fazer meu filme independente “Fingers” que conta a história de um garoto palestino sírio refugiado e como é o uso dos dedos na comunicação. O filme não tem fala.
Para aprender português, fiz um curso de um mês e acabei optando por aprender mais da língua no dia a dia. Ficar entre pessoas e escutar como as coisas realmente são ditas.
Desde que cheguei comecei a trabalhar com eventos de cultura árabe em São Paulo. É incrível como há uma mescla de todas as culturas [japonesa, italiana e africana] na cidade. Trabalhei mostrando a cultura árabe, as danças, comidas, que não somos terroristas, explicando o que é a palestina e etc. Mas achei legal que muitos brasileiros já tinham noção por terem descendência árabe e tudo. Fiquei pasma quando vi que os brasileiros comiam esfiha e quibe todo dia.
Depois disso fui para Santa Catarina com meu irmão e minha mãe, que veio para cá depois de um ano que chegamos. Ele foi abrir um barzinho com restaurante árabe em Balneário Cambóriu.
Depois do fim da temporada, voltei para São Paulo novamente e foi quando comecei a trabalhar no Al Janaiah. Comecei como garçonete e depois virei chefe do caixa. Adoro trabalhar podendo falar com o público, ainda mais em um lugar que representa a luta da palestina, só com funcionários refugiados palestinos. É como uma família.
Acho que é o mais difícil de vir para o Brasil foi a questão da língua. Sem aprender a falar português não dá para trabalhar, não dá para fazer nada. Tenho vontade de estudar cinema, mas entrar na faculdade não é fácil porque preciso já estar escrevendo português bem. Para isso, combinei com um amigo brasileiro que é de família árabe, mas não sabe falar que vamos fazer essa troca. Ele me ensina português, e eu ensino árabe pra ele.
Apesar de eu querer fazer faculdade, meu sonho é a Palestina. Hoje, não tenho como ir para lá pegar em armas, mas posso ensinar aos brasileiros sobre a cultura, sobre a ocupação e quando a guerra acabar, vou voltar.
Acho que é importante que as pessoas saibam que os refugiados não precisam ser vistos como coitados. Eles são pessoas que só querem viver uma vida normal, fazer amigos e trabalhar.
Fonte: Yahoo.