Punição pequena para embaixador que assediava funcionários

O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, decidiu punir o embaixador Américo Fontenelle, acusado de assédio moral, sexual, racismo, homofobia e abuso de poder enquanto ocupava o posto de cônsul-geral em Sidney, na Austrália. A suspensão de três meses, a mais severa antes da expulsão da carreira, foi assinada pelo ministro na tarde dessa segunda-feira, 11, dois dias depois de o Estado revelar que o Processo Administrativo Disciplinar teria orientado pela absolvição. A punição é pequena levando em consideração a gravidade das acusações e a representatividade do cargo ocupado pelo meliante.

consul-dyottConsul Américo Fontelle não demonstrava nem educação, nem respeito pelas pessoas ou pelo cargo que ocupava.

O ministro, no entanto, contrariou a orientação da Corregedoria do Itamaraty e manifestou-se pela punição. O advogado de Fontenelle, Leo Alves, afirma que ainda não foi informado da decisão.

A corregedoria teria concluído que não havia provas de comportamento inadequado por parte do embaixador, apesar de mais de uma dezena de depoimentos, e seria absolvido. O Processo Administrativo Disciplinar que investigava a conduta de Fontenelle foi aberto em maio de 2013 e deveria ter se encerrado, depois de uma extensão de prazo, em setembro do ano passado. No entanto, o resultado nunca foi divulgado, apesar das conclusões finais terem sido feitas em agosto do ano passado, quando a defesa de Fontenelle teve acesso.

O processo disciplinar costuma correr por dois meses, sendo prorrogáveis por mais dois. No caso de Fontenelle, no entanto, o PAD durou mais de 10 meses. Há cerca de duas semanas, incomodado com a espera, o sindicato que representa os servidores do Itamaraty, SindItamaraty, procurou o corregedor, embaixador Heraldo Póvoas, que também se negou a dar informações, alegando “que não havia prazos” e a investigação correria pelo tempo necessário. Póvoas, que estava à frente da Corregedoria há quase 10 anos, teria sido nomeado agora Cônsul em Ciudad del Este, no Paraguai.

Fontenelle, que quando foi denunciado deixou o posto em Sidney, já havia retornado ao trabalho, em um posto administrativo no próprio Itamaraty, depois de uma licença médica. Agora, terá que cumprir a suspensão de três meses. A punição, no entanto, deverá ter pouco impacto na sua carreira, já que, como embaixador, já chegou ao posto máximo da diplomacia. Mas, agora, dificilmente poderá almejar postos significativos no exterior.

O caso de Fontenelle trouxe a público um dos maiores problemas da diplomacia brasileira. Os casos de abuso de autoridade e assédio moral não são raros. Apenas em 2012 o SindItamaraty, sindicato que reúne os servidores concursados do Ministério das Relações Exteriores, repassou a Corregedoria cerca de 12 denúncias. Nenhuma teve resultado.

Segue um quadro resumido publicado pela revista Isto É, mostrando um pouco dos desmandos de Fontenelle:

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Claudia Pereira, que ficou no consulado de abril a novembro de 2012,  pediu demissão após as constantes ameaças e cantadas indecorosas. “Me arrependo de não ter denunciado antes”, disse à ISTOÉ, por telefone, de Goiás, onde passou a semana. De licença médica, ela resolveu vir ao Brasil para ver a família. Descendente de italianos, Claudia conta que certo dia foi trabalhar com uma camisa xadrez com as cores da bandeira da Itália. Em vez de um “bom dia” formal, Fontenelle disse que ela estava vestida de “italianinha” para provocá-lo. As investidas eram frequentes. “Uma vez ele pediu para eu processar um visto mais rápido. Quando entreguei, ele veio e disse: ‘Quando você é tão eficiente me dá vontade de te dar um beijo’. Eu senti nojo, tive vontade de reagir, mas acabei me calando para manter o emprego.

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Ailan Lima, 46 anos, funcionário do consulado há 28 anos, diz que nunca trabalhou com diplomatas como Fontenelle e Cidade. “São os piores. Já tivemos chefes nervosos, mas é a primeira vez que chegamos ao ponto de todos os servidores se unirem para combater a chefia”, disse. Outra vítima de Fontenelle, Luís Aroeira Neves, 39 anos, foi parar no hospital depois de uma discussão com o cônsul-adjunto Cesar Cidade, que repetia o comportamento de Fontenelle. “Estávamos comemorando na cozinha, na hora do almoço, a decisão do STF de legalizar a união civil homoafetiva. Cesar Cidade entrou aos berros, colocou o dedo na minha cara e disse que ali não era lugar para comemorar esse tipo de coisa, que fôssemos fazer isso no botequim”, lembra. Neves foi quem testemunhou a investida de Fontenelle na cozinha contra Viviane Jones.
Os abusos levaram o oficial de chancelaria Alberto Amarilho, vice-cônsul, a se aliar ao grupo. “Diante de tudo isso, você se sente um babaca. Via o sofrimento dos funcionários locais. Então, fiquei me achando covarde e conivente”, lembra. Cidade chegou a chamá-lo de “filho da puta”, porque ele deixou farelos de pão na tostadeira da cozinha. O comportamento de Fontenelle e Cidade refletiu na piora do trabalho do consulado. A rotina diária se transformou num inferno. Amarilho foi o único funcionário de carreira do Itamaraty a apoiar formalmente as denúncias dos contratados locais. Ele escreveu e-mail para cinco diplomatas da Comissão de Ética do Ministério, se posicionando a favor da abertura do processo administrativo disciplinar.

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Mesmo vedado por todos os códigos de conduta da administração pública e passível de enquadramento civil e penal, o comportamento do diplomata é tolerado no Itamaraty. “Nos meus 18 anos no Ministério das Relações Exteriores, testemunhei um mecanismo contaminado pelo ritual do assédio”, revela o diplomata André Costa, cônsul-adjunto do Brasil em Sydney. Segundo ele, os excessos funcionariam como “uma espécie de medida da lealdade dos funcionários a seus chefes”.
Como se sabe, Fontenelle é reincidente. Antes de Sydney, chefiou o Consulado-Geral de Toronto, no Canadá, onde foi denunciado, investigado e absolvido. A brasileira Vanice Lopes, hoje com 40 anos, lembra com angústia dos momentos na embaixada. “Isso mexe com nosso lado de mulher, de mãe e esposa.” Um dia o embaixador a chamou no arquivo. Ao entrar, ele ordenou “tire a roupa”. Ela saiu correndo, enquanto ele gargalhava.

Servidores do consulado em Toronto confirmam rotina de imoralidades

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O embaixador sentia-se seguro no corporativismo do Itamaraty e em suas relações políticas – uma em especial, com José Dirceu, de quem foi assessor especial no tempo de ministro da Casa Civil. “Ele falava que tudo o que fez de bom na vida pública foi graças a Zé Dirceu”, lembra Georges Cunningham Jr., que cuidava do setor de promoção comercial do consulado em Toronto. A relação do embaixador com Dirceu garantiu um cargo comissionado para seu filho Henrique Fontenelle, nomeado assessor internacional do ministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB).
Se não se pode afirmar que Fontenelle recorreu a Dirceu para livrá-lo há cinco anos das acusações em Toronto, é certo que o Itamaraty não fez nenhum esforço real. Agora, ao nomear o ministro de segunda classe Roberto Abdalla para investigar o caso, o chanceler Antônio Patriota deu demonstrações de que o empenho segue tímido. Mais novo e hierarquicamente inferior ao investigado, Abdalla é como um coronel investigando um general. Talvez por isso, ao chegar a Sydney, tentou convencer os funcionários de que “o que era assédio na cultura australiana não era na cultura brasileira”.

Fontenelle e Cidade deveriam é ser expulsos de seus cargos e serem punidos por prisão como manda o código penal brasileiro, além de indenizar suas vítimas pelo assédio. Fica a vergonha nacional de ter esse tipo de gente com o cargo de embaixador, representando o Brasil no exterior.

Fonte: ISTO É.

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