Nova lei do trabalho entra em vigor já questionada no STF

Foram seis meses entre a proposta enviada ao Congresso, a aprovação do texto com as emendas de deputados e senadores e a sanção presidencial, em julho. No total, mudam 117 dos 900 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A aplicação da nova lei – e, portanto, seu impacto na vida prática dos trabalhadores -, contudo, não é consenso entre juízes, procuradores, fiscais e advogados. Parte dela já é inclusive questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Só quando os juízes começarem a proferir as primeiras decisões com base na nova lei e for criada uma jurisprudência, será possível entender de fato o que a lei permite ou não.
Antes de deixar a Procuradoria-Geral da República, Rodrigo Janot pediu à corte a anulação dos efeitos de artigos que preveem que trabalhadores com direito a gratuidade judiciária passem a arcar com uma série de despesas quando moverem processos contra os empregadores.
Os dispositivos, conforme a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada em agosto, dificultariam o acesso à Justiça do Trabalho e feririam direitos fundamentais. O relator do processo é o ministro Luís Roberto Barroso, que ainda não apreciou o mérito.

As novas regras permitem, por exemplo, que sejam negociadas diretamente entre trabalhadores e empresas condições como banco de horas – que deve ser compensado em até seis meses, em vez do prazo de um ano quando previsto em convenção coletiva – e a jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso.
Também não precisariam passar pelos sindicatos os acordos feitos entre a empresa e os funcionários com diploma de nível superior que ganham mais de R$ 11.062,62 – o equivalente a duas vezes o teto do benefício do Regime Geral de Previdência Social – referentes a pontos como jornada de trabalho, benefícios, participação nos lucros, plano de cargos e salários.
Passa a valer a possibilidade de parcelamento de férias em até três períodos, contanto que nenhum seja menor do que cinco dias e um deles seja maior que 14 dias corridos.

Pedido de liminar para suspensão de artigos da nova lei está no Supremo sob relatoria do ministro Barroso.

A lei cria ainda uma nova modalidade de rescisão de contrato de trabalho.

Pela regra atual, quando o trabalhador é demitido sem justa causa, ele recebe do empregador uma multa equivalente a 40% do que foi depositado em seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pode sacar o valor integral do fundo e tem acesso ao seguro desemprego.
Agora, caso o desligamento seja de comum acordo, o trabalhador recebe metade do valor da indenização, pode sacar 80% dos recursos do FGTS e não tem direito ao seguro desemprego.
Não há consenso entre juristas e operadores do Direito sobre a abrangência dessas negociações diretas – se elas valem para os contratos anteriores ao início da vigência da “nova CLT” .
Estão previstas na lei 15 situações em que o que for acertado em acordos e convenções coletivas – ou seja, com a mediação dos sindicatos – tem prevalência sobre a lei, temas como jornada de trabalho, troca de dias de feriado, participação nos lucros, enquadramento do grau de insalubridade e intervalo para almoço, que pode ser reduzido para 30 minutos para quem trabalha mais de seis horas por dia.
O texto coloca outros 30 pontos que esses instrumentos não podem alterar, direitos que não podem ser reduzidos ou suprimidos: salário mínimo, 13º, adicional noturno e de insalubridade, licença maternidade e paternidade.

O home office foi regulamentado. Os contratos devem detalhar as atividades que serão realizadas pelo funcionário e tudo o que será pago pela empresa, entre equipamentos e infraestrutura para o trabalho.
O regime de tempo parcial de trabalho, que antes era válido para as jornadas de até 25 horas semanais, ganhou novos limites, de até 30 horas por semana, sem horas extras, ou de 26, com até seis horas suplementares.

O trabalho intermitente permite a contratação por diária, sem horário fixo. Para muitos juristas, ela é a formalização do bico, de serviços que, até então, não tinham anotação em carteira.
A terceirização, por outro lado, tem sido tema de diversas reuniões nos escritórios de advocacia. Apesar da Lei 13.429, de março, regulamentar esse tema, os artigos incluídos na lei trabalhista, para os especialistas, deixam mais clara a possibilidade de terceirizar qualquer atividade. Até então, só era permitida a terceirização de funções que não estivessem ligadas à vocação principal da companhia, como segurança e limpeza.
Assim, a expectativa é que o uso dessa modalidade pelas empresas cresça nos próximos meses.
Isso porque a lei, apesar das mudanças, abre pouco espaço para vínculos fraudulentos de trabalho. A relação da empresa com um autônomo, um PJ ou um terceirizado não pode configurar o que os artigos 2º e 3º da CLT definem como vínculo empregatício, quando há habitualidade, exclusividade e subordinação do funcionário a alguém dentro da companhia.
Ainda que o empregador cumpra a quarentena de 18 meses estipulada pela nova lei para readmitir como terceirizado um funcionário demitido, portanto, ele não pode manter com ele a mesma relação de trabalho que tinha quando era diretamente contratado.


As mudanças nas regras processuais – que reconhecem, por exemplo, uma série de novos custos para quem perde uma ação – dividiram os especialistas. Para alguns, ela vai dificultar o acesso dos empregados à Justiça do Trabalho; para outros, vai inibir os “aventureiros”, que movem processos muitas vezes sem fundamentação com a expectativa de retorno financeiro.
Estão entre os temas polêmicos nesse sentido os honorários de sucumbência, figura presente no Direito Civil que, até então, não existia no Direito do Trabalho e que prevê que a parte vencida pague os honorários do advogado da parte vencedora.
A ADI ajuizada por Janot no STF pede que uma liminar suspenda os efeitos deste e dos artigos que preveem pagamento de honorários periciais e das custas do processo em caso de falta à audiência para os trabalhadores beneficiários da justiça gratuita – via de regra, todo aquele que conseguir comprovar insuficiência de recursos para arcar com a ação. Interpretados como obstáculo ao acesso à justiça gratuita, os dispositivos são inconstitucionais.

 

Fonte: BBC

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