Bandido é preso tentando corromper a Polícia Civil na região

Clayton Batista, 34 anos, foi preso tentando subornar um delegado de Araçatuba. Em agosto ele procurou um delegado de Araçatuba, no interior de São Paulo. A proposta de Clayton era audaciosa: ele queria montar 500 máquinas caça-níqueis só no interior de São Paulo. E, para não ser incomodado, pagaria R$ 50 mil de propina por mês para a Polícia Civil.

images“Ele procurou que é para poder vir trabalhar tranquilo na região. Eu achei muito estranho e passei para o setor de inteligência da delegacia”, conta o delegado Nelson Barbosa Filho.

Outro delegado, especializado nesse tipo de investigação, e que por isso não pode mostrar o rosto, foi ao Ministério Público, e com autorização da Justiça, começou a gravar os encontros.

“Ele tinha a certeza que a autoridade policial fazia parte da quadrilha dele. Ele passou a confiar na autoridade policial e, a partir daí, ele começou a passar informações. Foram identificados vários locais onde ele mantinha as suas máquinas, inclusive foi possível identificar quem eram os fornecedores desses equipamentos”, explica o promotor de Justiça Marcelo Sorrentino Neira.

Foram quatro meses de investigação, nove encontros, seis pagamentos de propina: tudo registrado por três câmeras instaladas em um dos setores de inteligência da Polícia Civil de São Paulo.

Clayton: Os R$ 4 mil. Pode abrir.

Delegado: Um, dois, três, quatro.

Delegado: Um, dois, três, quatro, cinco mil reais.

Delegado: Quanto que tem aqui?

Clayton: R$ 3,50 mil.

Delegado: Preciso nem conferir?

Clayton: Não! Já conferi. Conferidinho, certinho.

O dinheiro da propina era pouco perto do que Clayton pretendia lucrar.

Delegado: Você, com 500 ou 600 máquinas, qual seria o seu lucro líquido?

Clayton: Ah, acho que uns R$ 200 mil dá fácil.

Delegado: Então, vou largar de ser delegado e montar, vou ser sócio disso aí com você, rapaz.

Clayton: Se faz um esquema certo, dá um dinheiro bom. Antigamente ganhava dez vezes mais.

Delegado: Quando você começou a mexer com isso? Você é novo para caramba!

Clayton: Comecei já faz 15 anos!

Delegado: Você tem 34 anos?

Clayton: É que eu moro em São Paulo. Tenho 34.

Delegado: Ah, você é de São Paulo.

Clayton: Eu moro em São Paulo.

Ele conta que também tem máquinas caça-níqueis na cidade de São Paulo, mas reclama do valor da propina na capital. “Em São Paulo eu tenho, no total, umas 80. Mas é porque lá é muito B.O., meu. Lá é 50%, 60%. Em São Paulo nós pagamos por máquina, R$ 100 por máquina, entendeu? Lá é um rolo. É polícia, é PM querendo pegar dinheiro meu. Por semana, para os caras lá no rateio lá, nas guarnições é R$ 600, bicho”, afirma.

A equipe do Fantástico foi ao Centro de São Paulo para ver se realmente havia máquinas na região. Encontramos várias no fundo de um bar.

Mas Clayton queria mesmo era investir no interior, principalmente nas cidades pequenas. “Agora nas cidadezinhas que não têm quase nada é mais fácil. Eu acho que aqui a gente consegue colocar umas 200 aqui na região, mais de 200. Devargarzinho, vai mexendo”, conta.

As máquinas, no entanto, eram todas compradas na capital.

Delegado: Como é que funciona isso?

Clayton: Uma loja normal de videogame. Você vai buscar as coisas em outro barracão. Entendeu? A fachada só é coisa normal: videogame, fliperama. R$ 4 mil cada uma.

Delegado: Você paga isso como, à vista?

Clayton: Não, parcelado.

Clayton não queria pagar a propina só para escapar da fiscalização da polícia. Ele também pretendia atrapalhar os negócios dos concorrentes. Um deles é o vice-presidente da Câmara de Vereadores de Araçatuba, Cido Saraiva.

“O negócio é fritar os caras. Fritou, acabou! Aí o cara sossega”, diz.

Clayton diz que o vereador não mexe apenas com caça níqueis. Segundo ele, é Cido quem controla o Jogo do Bicho na região.

Delegado: Então, quanto que o Cido Bicheiro ganha?

Clayton: Você é louco? Você não tem noção do quanto o Cido já ganhou de dinheiro.

Para manter o negócio ilegal, segundo Clayton, Cido pagaria propina para policiais. “Até que agora o Cido voltou a pagar. Está pagando R$ 200 para todo mundo agora”, diz.

Ao longo de horas de conversa, o delegado vai conquistando a confiança de Clayton.

Delegado: Ó, a conversa nossa é de homem. É papo de homem. Eu não vou falar isso para ninguém. Me fala uma coisa, essas máquinas, isso aí só progride se tiver uma composição com a polícia?

Clayton: Exato.

Ele diz, inclusive, que paga propina a um subordinado do delegado.

Clayton: Eu tenho, eu vou falar para você que é sinal que eu não estou mentindo. Eu tenho um negocinho com um cara, entendeu?

Delegado: Com quem você tem lá?

Clayton: Eu tenho com o Garrincha. É sossegado ele, o velhinho.

Garrincha é o apelido de Idenil Silva dos Santos, investigador de polícia em Birigui, na região de Araçatuba.

Clayton também diz ter contatos com a polícia de Mato Grosso do Sul, onde tem 80 caça-níqueis.

Delegado: Como é que é o esquema lá em Campo Grande?

Clayton: Lá é com o diretor.

Delegado: Lá ele segura as broncas?

Clayton: Lá ele segura.

Em outro encontro, um mês depois, ele diz que conhece um delegado que já ocupou um cargo de direção.

Clayton: Se precisar que te apresente o homem lá, você me dá um toque, viu. Precisa de alguma coisa de lá? Lá de Campo Grande, se precisar de alguma coisa.

Delegado: Qual o nome dele? Será que eu conheço?

Clayton: Marcelo Vargas. Delegado: Marcelo Vargas.

Clayton: Ele é firmeza.

Em julho de 2013, Marcelo Vargas pediu licença do cargo da Polícia Civil para assumir a presidência da Associação dos Delegados de Mato Grosso do Sul. O Fantástico conversou com ele por telefone quatro vezes. Vargas não quis gravar entrevista. Disse que não conhece Clayton, nunca falou com ele, não recebeu dinheiro do acusado e que está à disposição da Justiça.

Após quatro meses de gravações, o último encontro entre Clayton e o delegado de Araçatuba ocorreu esta semana.

Delegado: Quanto tem aqui?

Clayton: Tem R$ 6,5 mil.

Delegado: Tem R$ 6,5 mil?

Clayton: Tem R$ 6,5 mil.

Em outra sala, ao lado, a polícia acompanhava toda a conversa e esperava um sinal do delegado para surpreender Clayton.

Policial: Polícia. Fica em pé que é a polícia. Mãos para trás. Você está preso em flagrante pelo crime de corrupção ativa, por ter entregue dinheiro a delegado de polícia tentando corrompê-lo para montar esquema de caça-níquel na região. Você está preso em flagrante.

Delegado: Clayton.

Clayton: Ah, doutor.

Delegado: Deixa eu falar um negócio para você. Escuta aqui, vira aqui, vira aqui, vira aqui. Desde o primeiro dia que você chegou aqui você está sendo monitorado. Clayton: Pelo amor de Deus.

Delegado: Leva ele embora.

Policial: O senhor está preso em flagrante, vamos embora.

Já preso, fora da sala, Clayton não quis comentar as acusações.

Delegado: Você achou que seria tão fácil corromper um policial assim? Porque você tentou corromper um policial dentro da delegacia? Não tem nada a falar?

Após a prisão, a polícia fez buscas na casa e na chácara de Clayton. Residências luxuosas, com piscina e um animal silvestre: um sagui de estimação.

No carro dele havia dinheiro e uma lista dos bares onde ele mantinha as máquinas. A polícia foi até os locais. Ao todo, mais de cem máquinas foram apreendidas.

O depósito onde Clayton armazenava e montava as máquinas caça níqueis fica na área nobre de Araçatuba e, para não chamar a atenção, ficava sempre com as portas fechadas.

A polícia também fez buscas no escritório do vereador Cido Saraiva. No local, encontrou várias provas do envolvimento dele com o jogo do bicho.

Repórter: O senhor não está envolvido com esquema de jogo do bicho?

Cido Saraiva: Não, não tem nada disso.

Repórter: E caça níquel?

Cido Saraiva: Nada.

Repórter: Paga propina para policiais?

Cido Saraiva: Jamais, nunca cheguei a esse ponto.

Repórter: O senhor é inocente?

Cido Saraiva: Sim. Até quando não existe uma condenação, você é inocente. Eu não tenho nada nessa situação.

A reportagem tentou entrar em contato quatro vezes com o investigador da cidade de Birigui Idenil Silva dos Santos, o Garrincha, para quem Clayton diz pagar propina. Ele não retornou as ligações.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo diz que as corregedorias das polícias Civil e Militar abriram investigações para apurar o suposto envolvimento de policiais com a máfia dos caça-níqueis.

A Secretaria de Mato Grosso do Sul diz que desconhece as acusações que envolvem um diretor de polícia de Campo Grande e que vai tomar providências.

Fonte: G1.

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