Aparentemente sem maiores preocupações, Forças Armadas ainda barra tatuados

Apesar de Supremo impedir veto a tatuagens, Marinha, bombeiros e polícias militares de vários estados ainda restringem acesso de tatuados; Exército (foto acima) e FAB seguem orientação do tribunal (Foto Getty)
A imagem desbotada de um mago na perna direita quase acabou com o sonho de Henrique Lopes Carvalho da Silveira de se tornar bombeiro militar. Mal sabia ele, aos 15 anos, quando decidiu deixar a marca permanente perto do tornozelo, que a tatuagem inspirada em um desenho animado teria tantos desdobramentos.

Em 2008, depois de passar nas primeiras etapas do concurso para bombeiro militar em São Paulo, Silveira foi barrado na avaliação médica, porque a tatuagem ficaria visível quando usasse o uniforme de treinamento físico.
Inconformado, ele entrou na Justiça contra a decisão e o caso acabou chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em agosto de 2016, por 7 votos a 1, o STF decidiu que editais de concurso público não podem barrar candidatos tatuados.

Os ministros entenderam que, em qualquer seleção para cargo público, tatuagens só podem ser restringidas em casos excepcionais, se violarem valores constitucionais ou incitarem à violência. E a decisão recebeu a chamada “repercussão geral”, ou seja, deve valer para todos os processos semelhantes em tramitação no país.

Mas entre o dia em que os ministros proferiram o voto, a publicação do veredito e a execução da sentença se passou um ano. Para Henrique, o efeito prático da vitória no tribunal só veio recentemente, em 16 de agosto de 2017, quando foi admitido de vez no Corpo de Bombeiros de Piracicaba (SP).
Enquanto isso, os editais para concurso público da Marinha, bombeiros e polícias militares de mais de 10 Estados continuam a vetar candidatos por terem alguma tatuagem aparente ou impõem restrições genéricas além das elencadas pelos ministros do Supremo na decisão de 2016. Alguns editais impedem, por exemplo, tatuagens que firam a “estética militar” ou que contrariem “a moral e os bons costumes”. Outros proíbem qualquer tatuagem visível.

Para o advogado Vicente de Paulo Massaro, autor da ação que resultou na decisão do Supremo de impedir vetos a tatuagens, restrições baseadas em “decoro” e moral abrem caminho para decisões subjetivas contra candidatos.
“No concurso público, não pode haver cláusula de caráter subjetivo, que dependa da pessoa que está avaliando. Alguém pode avaliar a tatuagem de uma flor e interpretar que se parece com o órgão sexual feminino. O resultado do concurso não pode depender da opinião ou forma de interpretar de uma pessoa”, avalia.

Soldado dos Estados Unidos recebe ajuda após ser ferido em combate. Tatuagem não define capacidade de defender seu país.

No julgamento do Supremo sobre tatuagens, o Ministério Público Federal defendeu que “moral e bons costumes” não podem ser usados para barrar candidatos.

Os editais para bombeiros do Paraná e da Paraíba proíbem tatuagens que contrariem a “estética” militar, sem definir quais seriam esses padrões.
O último concurso para bombeiro do Distrito Federal vedou tatuagens no rosto ou as que, de alguma forma, violem o “padrão de apresentação militar”.
De forma genérica, o edital dos bombeiros de Pernambuco menciona como fator de exclusão do concurso tatuagens que possam “comprometer ou prejudicar” o exercício da atividade de bombeiro.

Os editais para bombeiros do Paraná e da Paraíba proíbem tatoos que contrariem a ‘estética’ militar, sem definir quais seriam esses padrões
Mais radical, o concurso deste ano do Piauí para o Corpo de Bombeiros mantém as mesmas regras de um edital de 2014 e veta qualquer tipo de tatuagem aparente.
Já no Rio Grande do Sul e no Rio Grande do Norte, além das restrições a tatuagens ofensivas, também são vetadas, em editais lançados em 2017, imagens que “atentem contra a moral” ou “aludam a ato libidinoso”.
No caso do concurso para bombeiro do Rio Grande do Norte, o texto deixa margem para veto até a tatuagens “discretas” e sem conteúdo ofensivo que apareçam com uso do uniforme.

Na Noruega oficiais podem inclusive ser cabeludos, como este da foto que ficou famoso ao ser descoberto em seu treinamento.

Os editais que contradizem a decisão do Supremo podem vir a ser questionados por candidatos que se sentirem prejudicados ou pelo Ministério Público dos Estados onde o concurso ocorreu ou ocorrerá.
É o que aconteceu recentemente no concurso para a Polícia Militar de São Paulo. Edital de novembro de 2016, posterior à decisão do Supremo, vedava tatuagem que fosse “visível na hipótese do uso de uniforme que comporte camisa de manga curta e bermuda”.
O Ministério Público do Estado de São Paulo entrou, então, com uma ação na 10ª Vara de Fazenda Pública de SP questionando este trecho do edital. Com base na decisão do Supremo, a juíza Sabrina Martino Soares determinou que fosse anulada a cláusula do concurso que restringia tatuagens visíveis.

As regras sobre tatuagens em serviços policiais ou nas Forças Armadas variam em cada país.
A Marinha britânica, uma das mais tradicionais do mundo, flexibilizou, no ano passado, a regra para o recrutamento de candidatos tatuados: passou a permitir imagens gravadas atrás das orelhas, nos braços e até no pescoço.
O objetivo foi garantir a adesão de jovens ao corpo de fuzileiros. Pelas novas regras, são permitidas múltiplas tatuagens, inclusive de tamanho grande, nos antebraços, pulsos, joelhos e mãos, autorizando, assim, tatuagens visíveis nos uniformes de treinamento.
Desde março de 2016, a Marinha dos Estados Unidos também permite tatuagens visíveis. Os marinheiros podem ter uma tatuagem no pescoço e quantas quiserem nas pernas e braços.
Só são vetadas imagens “racistas, sexistas, extremistas, indecentes, preconceituosas ou que atentem contra a instituição”. Já as Forças Armadas de Portugal e Alemanha impõem restrições a tatuagens visíveis.

 

 

Fonte: BBC.

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